quinta-feira, julho 21, 2005

O Jardim das babilônias

Onde outrora brotou a pioneira Babilônia com seus Jardins Suspensos e velhas tradições, hoje, mais belas tradições surgem, não de sábios, mas de seres embrutecidos pela guerra, calejados pela miséria e feridos pela humilhação.
Alí, onde desabou uma torrente de bombas genocidas, terra onde andam sombrios engenhos de morte, voam pelos ares centelhas de vida, da Vida Livre. Naqueles becos sujos de Bagdá, homens e mulheres abortam a criação bizonha de uma nova e caricatural babilônia.
Mesmo com vidas e famílias destroçadas, todos são um. Eis a liberdade real: um cacto - produto da luta do homem contra as grandes dificuldades da existência e defendida por áridos espinhos quando ameaçada.
Mas em outros rincões do planeta, bombas não caíram, pessoas não foram partidas ao meio. Em outros lugares, a "democracia" reinou e os "tiranos" foram banidos a muito. A cada instante, novas babilônias são meditadas com seus jardins suspensos sobre o gentio. As bombas ainda não caíram, mas isto não impediu que um turbilhão de vidas se devorassem, aos próximos e a si próprias.
Do restolho deste canibalismo de almas, produz-se um outro turbilhão, só que de babilônias decrépitas, apesar de resplandescentes em seus altares. Aquelas belas tradições, que germinam com tenacidade nos mais inóspitos terrenos, aqui, neste jardim de babilônias, são defloradas, enlameadas, pervertidas e caluniadas. Tentam ofuscar sua bela simplicidade com tronos e medalhões.
Pois, que venham todos!
As belas tradicões do povo são a pulsante e invencível terra, onde, um dia, caem todos os medalhões.
Medalhões, que mais senão medalhões, são ostentados sobre a ignorância que algema nossa liberdade virtual. Ainda que pregando contra toda sorte de "absolutismos", continuamos presos nas masmorras de nossos umbigos. O protesto contra os "absolutismos" passa a escamotear o medo da imposição vital de olhar o próximo nos olhos e falar: vamos! Os campeões do Bravo Novo Mundo assassinaram a verdade "tirânica", e já não se pode confiar em ninguém, pois nada é certo.
Logo, vem a bandeira das "diversidades". Afinal, dizem os sábios da Nova Era, que tipo de cabeça "autoritária" poderia querer nos impor uma bandeira global, totalizante, se o que existe são várias realidades particulares? Que triste descoberta: deduz-se, daí, que não existe nossa luta!
Ainda assim, é bom lembrar que levar em conta a existência das particularidades não quer dizer que devemos viver numa torre de babel pós-moderna.
As pessoas, tão voltadas para si mesmas, sempre querendo "descobrir" seus interiores, nunca prontas para sair do casúlo e botar o bloco na rua; tão donas de suas verdades e mundinhos, mas, sem coragem para irromper, morrem sem tentar.
Não importa se, como mofo no canto da estante, sargaços arrastados pelas ondas do mar, ou lemingues lançando-se dos penhascos, se destroem sem força para ganhar espaço - além dos grandiosos mesquinhos projetos. Como dizia o poeta: um é como nenhum.
Entretanto, como exigir passos firmes de quem alimenta as trevas? Resta apenas saber se o fazem com prazer...
A tal busca messiânica pela "verdade interior" termina tornando o homem insensível à multidão (seja a dos trens lotados, ou a dos gabinetes fechados), e a multidão somos nós... é a Babilônia que está em nós. E se tem alguém de quem não podemos fugir é de nós. Só nos resta enfrentar. Sou mais você.
Por que você aí não para de perguntar como, num belo dia, você veio ao mundo, e procura saber como, todo santo dia, este mesmo mundo vem até você.
Se lhe agradar a proposta, já será meio caminho andado. Verá que a soleira da porta era a Muralha da China. Se der sorte, não ouvirá o "salve-se quem puder"; se der azar, encontrará um salvador.
Aqui vai uma proposta: façamos nós.