sexta-feira, julho 15, 2005

Banho no Canal

Banha-se no canal um vulto, um corpo escuro;
Preto fosco, como a pixação em corrosão no muro.
É, na verdade, branco de nascença
e enegrecido por costume.
O gozo do banho suplanta
de si o vil azedume.

O lugar é aprazível pras almas sem destino.
Balneário de gente
que, nesta vida-morte, não teria melhor;
Parada obrigatória
De muitos que Dessa vão pruma Melhor.
Tudo planejado e financiado
Pelo Sistema Social Felino.

Como se pondo a hábitos burgueses copiar,
Traga a morte e bafora a vida ao relento;
Abstrai-se com a avenida e seus carros a deslizar,
Enquanto a parda espuma farfalha ao som do vento.

Vermes e peixes mutantes formam vasta fauna,
Vindos de afluentes tubulares que tocamo leito,
Mas não comovem aquela face sombria, com efeito,
Em meio ao concreto tenaz e bilioso,
Nesta cáustica sauna.

Avista, na outra margem, a procissão de passistas auto-fascistas.
Negros da Coroa Imperial deslizam, com graça, sobre suas chagas;
Amesquinhando seus mundos, afogando velhas mágoas.
Zumbi, pairando sobre o Canal, não crê em tal aberração à vista.

Enquanto um vendeu a alma
E o samba à Coroa do Mal,
O outro aproveita sua Lua-de-Fel
Com um banho no Canal.

Avenida Presidente Vargas, em qualquer Quarta-feira-de-Cinzas